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17/07/2020
Crescimento nada genérico
Veículo: IstoÉ Dinheiro 
 
Jornalista: Sérgio Vieira
 
Quando o administrador de empresas Marcus Sanchez nasceu, há 35 anos, seu avô Emiliano já havia realizado o sonho de transformar uma pequena farmácia em Santo André, no ABC Paulista, em uma empresa que se tornaria a maior indústria farmacêutica do Brasil. Hoje ele é o vice-presidente institucional da EMS (sigla com as iniciais do fundador, Emiliano Sanchez, acrescentando o M de Manoel, bisavô de Marcus) e dirige a companhia ao lado do tio, Carlos Sanchez, presidente do conselho de administração. No ano passado, a receita líquida da EMS foi de R$ 5,6 bilhões, com a venda de 556 milhões de unidades de medicamentos. Apesar da instabilidade econômica por conta da pandemia da Covid-19, a crise tem passado longe da farmacêutica em 2020. Somente no primeiro semestre deste ano, as vendas cresceram 21% em relação ao mesmo período do ano passado. “Queremos fechar o ano com crescimento de 25%”, diz Marcus Sanchez.
 
Até agora, o plano tem dado certo. A empresa cresceu neste ano mais que o dobro da indústria nacional de medicamentos – cuja alta, de janeiro a maio, foi de 10,24%. As duas palavras-chave ditas pelo dirigente da EMS para alcançar a meta de crescimento até o fim do ano são investimento e inovação. Somente nas construções das fábricas de Hortolândia e Jaguariúna, no interior de São Paulo, Manaus e Brasília, a soma de investimentos, iniciados em 2012 e que vão até o ano que vem, atingirá R$ 1 bilhão. No ano que vem, a empresa entrega uma ampliação do parque fabril de Hortolândia para armazenamento de matéria-prima refrigerada e uma unidade de produtos oncológicos injetáveis.
 
Tudo isso já estava planejado. A pandemia, contudo, acelerou algumas das decisões. A EMS decidiu antecipar a aplicação de recursos que originalmente estavam previstos para 2021. Apenas em investimentos na linha de produção foram destinados R$ 5 milhões, além de recursos para divulgação institucional, que saltaram de R$ 60 milhões, anteriormente, para R$ 100 milhões. Além disso, acelerou a compra de insumos para produção de medicamentos, mesmo com a disparada do dólar nos últimos meses e a elevação dos custos de frete em todo o planeta. Ao mesmo tempo, a empresa sentiu a necessidade de acelerar seu processo de digitalização. “Antes da pandemia, havíamos criado uma diretoria de transformação digital e agora investimos cerca de R$ 1 milhão em um portal de propaganda médica”, afirma o VP da empresa.
 
A grandeza dos números evidencia o tamanho da indústria de medicamentos no Brasil, ainda mais em tempos de pandemia, quando a produção precisou ser aumentada para que redes farmacêuticas e unidades de Saúde pudessem ter seus estoques abastecidos. Segundo dados do Grupo FarmaBrasil, associação que integra 12 empresas do setor, o faturamento total do mercado para o segmento farmacêutico chegou a R$ 69 bilhões em 2019. O aumento do repasse de recursos públicos a estados e municípios, que já ultrapassou R$ 14 bilhões, para o combate à pandemia, mostra o tamanho do potencial de receita para as empresas fornecedoras de itens hospitalares, EPIs e, naturalmente, medicamentos. Nessa fatia de mercado, o grupo NC (iniciais de Nanci e Carlos, filhos de Emiliano), que controla a EMS, terminou 2019 com 8,21% do market-share, de acordo com o Grupo FarmaBrasil. A distância de receita em relação à segunda colocada da tabela, a francesa Sanofi, com 6,81% de participação, beira R$ 1 bilhão.
 
Menos cópias 
 
A EMS ganhou musculatura a partir da liberação dos medicamentos genéricos no Brasil. Foi a primeira empresa a produzir medicamentos desse tipo no Brasil, em 2000, e hoje tem 500 genéricos em seu portfólio, com demanda mensal de 20 milhões de caixas. Para a empresa, a fórmula para seguir adiante está na pesquisa de novos remédios. Os medicamentos de prescrição representam hoje 43% da receita, contra 35% dos genéricos. “Somos uma empresa que hoje adota menos cópia e investe mais em inovação. Isso é um novo desenho estratégico”, afirma o vice-presidente. Segundo ele, ainda falta muito para que o País seja, de fato, um importante polo de desenvolvimento de pesquisa. “A inovação está atrelada ao risco e o Brasil não tem legislação clara sobre isso”, diz Marcus Sanchez. A líder do mercado diz fazer sua parte. São investidos, anualmente, 6% do faturamento do laboratório para assegurar a atividade de 400 pesquisadores no centro de pesquisa da empresa, em Hortolândia, que hoje conta com 50 novos produtos em diferentes etapas de desenvolvimento.
 
Uma saída para acelerar a inovação foi buscada fora do Brasil. Por meio da criação da Brace Pharma, nos Estados Unidos, a companhia brasileira destina recursos a empresas que buscam novos medicamentos de ponta. Desde a fundação da subsidiária já foram aportados mais de US$ 250 milhões. A aposta faz sentido, já que é dos EUA que saem 70% dos medicamentos inovadores no mundo. E um resultado concreto surgiu no fim do ano passado, com a aprovação, por parte da Food and Drug Administration (FDA), agência que regula os medicamentos nos Estados Unidos, de um dispositivo para uso emergencial no tratamento de deficiências cardiopulmonares. O produto, que pode ser utilizado em sintomas associados à Covid-19, representa a primeira inovação radical da EMS em solo americano, o que faz da empresa um case de pesquisa no mercado global. O processo de aprovação demorou 18 meses – e não há previsão para que chegue ao Brasil.
 
O termo inovação radical significa a criação, de fato, de um novo item para o mercado a partir de pesquisas. E se há um mercado promissor para a indústria farmacêutica é o de medicamentos biológicos, de alta complexidade e de alto custo para a indústria. Para diminuir a distância que há hoje entre o Brasil e as multinacionais que atuam no segmento, assim como reduzir os custos com importação desses produtos, a EMS se associou às concorrentes Aché, Hypera Pharma e União Química para criar, em 2012, a Bionovis. Para se ter uma ideia do que podem significar, economicamente, essas pesquisas para transferência de tecnologia e produção, basta um dado: em 2018, o Ministério da Saúde destinou 51%, dos R$ 21 bilhões empregados em medicamentos, para garantir a importação dos biofármacos. No ano passado, a Bionovis recebeu do governo federal R$ 511 milhões para fornecer produtos originais e um biossimilar (espécie de genéricos dos medicamentos biológicos), além de ficar responsável pela importação e distribuição dos fármacos. Até o ano que vem, serão sete produtos, o que possibilitará, em cinco anos, dobrar a receita a partir da venda dos medicamentos para o SUS.
 
Ainda que não revele qual o tipo de medicamento, o dirigente afirma que a empresa caminha para conseguir aprovação para produzir um biossimilar no Brasil. Com aportes da ordem de US$ 110 milhões neste desenvolvimento, a perspectiva é que o produto possa chegar ao mercado em 2027. Para se preparar, a Bionovis está investindo R$ 420 milhões na construção de uma fábrica em Valinhos (SP), que deve ficar pronta no ano que vem. O presidente da Bionovis, Odnir Finotti , afirma que a o objetivo é ser uma empresa atuante não apenas no mercado nacional, mas estar pronta para fornecer globalmente. “O Brasil caminha para dominar essa ciência, formar gente e ser um player importante do setor.”
 
Patentes
 
Além da inovação, há outra demanda que tem unido as indústrias farmacêuticas brasileiras, independentemente da disputa por mercado. É o enfrentamento de todo o segmento pela eliminação do prazo extra da patente de medicamentos no Brasil. Enquanto no mundo todo o prazo é de 20 anos, aqui esse período pode ser 50% maior, chegando a 30 anos. Uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, proposta pelo Ministério Público Federal (MPF) e defendida pela indústria brasileira do setor, está em pauta no Supremo Tribunal Federal (STF) para derrubar o artigo 40 da Lei de Patentes, que fala sobre essa ampliação. Para o presidente-executivo do Grupo FarmaBrasil , Reginaldo Arcuri, “a questão central é a insegurança jurídica, já que nunca se sabe exatamente qual o tempo da patente de um medicamento no Brasil”. A FarmaBrasil tem fornecido informações no processo para sustentar a defesa pela derrubada do artigo. A perspectiva é de que a votação ocorra ainda neste ano.
 
A decisão poderia não só aumentar o acesso aos medicamentos como gerar economia de gastos do poder público e, por consequência, do contribuinte. Um estudo produzido pela Universidade Federal do Rio do Janeiro (UFRJ) mostra que apenas nove medicamentos biológicos representariam custo extra de R$ 4 bilhões nos cofres do Sistema Único de Saúde (SUS) em 10 anos, caso não haja mudança na legislação. “Esse item da lei prejudica a inovação, a concorrência, a fabricação e o acesso aos medicamentos”, afirma Arcuri.
 
Na corrida pela possível cura da Covid-19, a EMS foi uma das primeiras indústrias a participar ativamente de um estudo clínico sobre eficácia do tratamento com hidroxicloroquina e azitromicina, a partir da criação, em março, da Coalizão Covid-19, em conjunto com principais hospitais privados do Brasil. A empresa foi responsável pelo fornecimento dos medicamentos para as análises clínicas. Para Marcus Sanchez, o trabalho trouxe bons resultados, principalmente quanto à metodologia e importância da parceria para o avanço da ciência. “O principal aprendizado foi quanto a celeridade das aprovações. Ficou provado que é possível fazer ciência de uma forma rápida no Brasil”. A Coalizão deve ser mantida para outros estudos.
 
Antes que a eficácia da hidroxicloroquina fosse descartada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para o tratamento da Covid-19, o interesse despertado pelo medicamento fez com que a EMS precisasse dobrar a produção. Isso para que não houvesse desabastecimento junto aos pacientes crônicos de doenças como artrite reumatoide, lúpus e malária, para as quais a medicação é prescrita. Antes da pandemia, eram produzidas 22 mil unidades mensais. Agora, são 44 mil. O medicamento tem sido, desde o início da quarentena, um dos pontos nevrálgicos no Brasil entre defensores e opositores do atual governo federal. Antes mesmo de ter testado positivo para o novo coronavírus, o presidente da República já era um defensor ferrenho da hidroxicloroquina, ainda que sem qualquer comprovação científica quanto à eficácia, a exemplo do fez por um bom um tempo sua principal referência política, o presidente americano Donald Trump.
 
Na terça-feira (14), o Ministério Público solicitou ao Tribunal de Contas da União que obrigue o chefe do Executivo a parar de defender o uso do medicamento para tratar pacientes do novo coronavírus, como ele tem feito sistematicamente, principalmente em lives. “Essa importante e crucial tarefa cabe às autoridades científicas e à OMS, bem como aos políticos e aos gestores públicos que se alinhem às diretrizes por elas estabelecidas”, diz o documento do MP. O dirigente da EMS deixa bem claro qual a posição da empresa, que se esforça para ficar de fora desse Fla-Flu ideológico. “A nossa função é disponibilizar o produto. A gente não interfere na indicação. Para nós, a autoridade é do médico”, afirma Marcus Sanchez. Agora que contraiu o vírus, talvez o presidente passe a concordar.

 

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