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08/01/2022
ARTIGO: Negociação é o melhor caminho

Veículo: Folha de S.Paulo

Autor: Nelson Mussolini*

Tendências/Debates: A quebra de patentes fará diferença no acesso a vacinas e medicamentos durante a pandemia?

”NÃO” Negociação é o melhor caminho

É uma falácia imaginar que a suspensão dos direitos de propriedade intelectual de vacinas e medicamentos contra a Covid-19 resultará na ampliação imediata da oferta desses produtos. A complexidade e o tempo necessário para concretizar esses processos, em seus diversos aspectos científicos, tecnológicos, operacionais e financeiros, são uma barreira intransponível.

Continuar promovendo a articulação global para alavancar a produção e a distribuição de vacinas e medicamentos para combater o vírus Sars-CoV-2 é a chave para que possamos alcançar a cobertura vacinal necessária para controlar a pandemia em todo o planeta.

Foi o esforço conjunto de empresas, governos e centros de pesquisa que resultou na obtenção de imunizantes e medicamentos em tempo recorde. Quebrar patentes não facilita nem acelera o atingimento desse objetivo.

É sempre melhor buscar convergências. O enfrentamento da Covid-19, naquilo que se mostrou seu ponto fundamental —a descoberta e a produção em larga escala de vacinas para combatê-la—, evidenciou isso. Não fosse a disposição para negociar da parte de indústrias farmacêuticas nacionais e internacionais, de instituições de pesquisa e desenvolvimento em saúde e das autoridades brasileiras e mundiais, o drama da pandemia teria sido ainda maior. Todas as vacinas disponíveis e a maioria das que estão em diferentes fases de teste foram desenvolvidas em regime de parceria.

Historicamente, a tese da "quebra de patentes" tem cumprido apenas um papel meramente comercial, para reduzir preços. Mas aqui a situação é outra.

Especialistas concordam sobre a inviabilidade do aumento imediato e relevante da produção de vacinas com a quebra de patentes, pois o início da produção demanda altos investimentos e demora muito: não basta copiar fórmulas, é preciso saber fazer. Vide o exemplo do Efavirenz, cujo licenciamento compulsório, em 2007, não teve efeito prático durante anos, até que sua patente expirasse no Brasil, em 2012.

Assim, paradoxalmente, em nome do "direito à vida", os defensores da quebra de patentes das vacinas da Covid-19 estariam, inadvertidamente, condenando populações inteiras à morte, pois no médio e longo prazo essa iniciativa geraria enorme insegurança jurídica, cujo resultado provável seria a retirada de atuais e futuros investimentos das indústrias farmacêuticas nesses produtos.

E, além de ameaçar a fabricação e o fornecimento de vacinas, a medida afetaria todas as indústrias farmacêuticas instaladas no Brasil, empresas nacionais e internacionais, públicas e privadas que atuam de acordo com a Lei de Propriedade Intelectual brasileira e o Acordo Sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (Trips) da Organização Mundial do Comércio, impossibilitando que ocorressem as bem-sucedidas iniciativas para a produção de vacinas no país envolvendo Butantan/Sinovac, Fiocruz/AstraZeneca e Eurofarma/Pfizer, entre outras parcerias.

Diante dos desafios sanitários, econômicos e sociais impostos pela atual pandemia e dos riscos de surtos futuros, existe um único caminho eficaz: patrocinar arranjos multilaterais, acordos de fornecimento e intercâmbio tecnológico, sem regras de exceção.

É dessa colaboração que já estão saindo e virão outras soluções realistas e de largo alcance para combater a pandemia e imunizar as populações no Brasil e no mundo contra o Sars-CoV-2 e novos coronavírus. A negociação é a vacina para se obter mais vacinas.

(*) Nelson Mussolini é Presidente-executivo do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma) e membro do Conselho Nacional de Saúde

 

"SIM" A vida de todos vale mais que o lucro de alguns

Autores: Pedro Villardi* e Felipe Carvalho*

Foi a quebra de patentes que expandiu o acesso aos tratamentos de HIV/Aids, hepatite e câncer. Esse mecanismo legal ajuda até hoje a salvar milhões de vidas pelo mundo. Diante de uma pandemia sem data para acabar, com novas variantes se espalhando, a quebra, ou melhor definindo, o licenciamento compulsório é a medida mais reconhecida para ampliar, em médio e longo prazo, o acesso da população às vacinas, aos diagnósticos e novos medicamentos de combate à Covid-19.

Na prática, ao se licenciar compulsoriamente uma patente, o governo deixa de estar obrigado a comprar de apenas um fornecedor. Pode negociar com outros. Um novo ambiente de concorrência e transparência otimiza as negociações e, com o barateamento pelos genéricos e biossimilares, ajuda a colocar remédios e vacinas nas prateleiras do SUS.

É uma medida equilibrada. As empresas donas das patentes seguem vendendo seus produtos e recebem royalties dos concorrentes. No caso do Brasil, deve ser aplicada a Lei das Licenças (14.200/2021), que torna o processo mais eficiente, promovendo o compartilhamento de fórmulas, conhecimento e materiais essenciais.

Fará uma enorme diferença positiva para o Brasil aplicar a Lei das Licenças como ela foi democraticamente aprovada em três votações no Congresso, sem os vetos presidenciais. Primeiro porque, além de dar a partida para a produção própria, poderá comprar de mais fornecedores. É evidente que as inovações dependem de tempo até a produção final, mas seria imediatamente rompido o ciclo de absoluta dependência futura das grandes farmacêuticas, que, aliás, já demonstraram não conseguir atender sozinhas às demandas globais atuais. Nem sequer as futuras, diante da necessidade de doses de reforço.

Não há insegurança jurídica. O licenciamento compulsório é previsto nos acordos internacionais. Não causa riscos ao sistema de propriedade intelectual. Tanto que tem sido usado por países de toda faixa de renda nos últimos cem anos. Israel, Rússia e Indonésia já usaram licença compulsória para três medicamentos na pandemia e outros seguem nesta direção, como o Canadá. Inclusive os EUA defenderam as licenças. É uma tendência global. Também é descabida a ideia de "transferência forçada de tecnologia". O Acordo sobre Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (Trips, na sigla em inglês) é claro em seu artigo 39: os segredos industriais não são absolutos e devem estar subordinados ao interesse público. Nunca o inverso.

No Brasil, há casos concretos para aplicação da licença. Já existem cinco pedidos de patente para o Molnupiravir, quatro para a vacina da Janssen e três para a da Moderna, por exemplo. Ao redor do mundo, mais de 30 empresas já indicaram sua capacidade de produção se houver compartilhamento legal do conhecimento. A produção de algumas vacinas é menos complexa do que se imagina. Um ex-diretor químico da Moderna declarou que, se as fórmulas fossem reveladas, outras empresas poderiam produzir as vacinas em três meses.

O que incomoda as farmacêuticas é a redução dos lucros projetados para médio e longo prazo. Mas a propriedade intelectual não pode ser usada assim. Recompensar a inovação não pode ser um ato desproporcional que causa a exclusão de milhões de pessoas do direito à saúde. Os laboratórios não terão prejuízos, graças aos royalties. Só reduziriam pesquisas e distribuição se fossem algozes, capazes de chantagear populações inteiras dependentes de seus produtos para escapar da morte. Acreditamos não ser o caso. Vidas sempre valem mais.

(*) Pedro Villardi é Doutor em saúde coletiva, é coordenador do GTPI (Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual), coalizão de organizações em defesa da saúde pública

(*) Felipe Carvalho é Jornalista, é coordenador no Brasil da Campanha de Acesso a Medicamentos de Médicos Sem Fronteiras (MSF)

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