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04/03/2022
A receita de saúde da Abbvie

Veículo: IstoÉ Dinheiro

Jornalista: Edson Rossi

Ao ser convocado para comandar a operação brasileira da gigante farmacêutica AbbVie há pouco mais de um ano, o argentino Flavio Devoto foi fazer a chamada lição de casa. E estudou com profundidade a gente. Não somente o sistema de saúde, seus diversos atores e a infinidade de detalhes de uma nação tão desigual. Mergulhou também na cultura, nas leis, nos hábitos, nas particularidades regionais. A partir daí traçou um diagnóstico completo. O que viu o animou. Talvez porque um brasileiro enxergue como problema crônico o que ele enxerga como oportunidade. Para isso, Devoto cita dois dados. “O sistema privado de saúde tem no Brasil 50 milhões de pessoas, o sistema público tem 213 milhões de pessoas. Então você encontra aqui muita inteligência, muitas iniciativas, muitos empreendedores, muitos atores”, disse. Esse caldeirão de complexidades (e informações) é ao mesmo tempo um caldeirão de soluções.

Com esse espírito ele conduz a companhia no Brasil. Devoto é médico de formação e atuação, tendo depois migrado para a indústria e seus cargos executivos. Isso ajudou a construir um perfil profissional que conhece o sistema de forma orgânica. E assim o encara. “Quando se fala de saúde, na verdade se fala de cultura. Entender essa parte é fator decisivo”, afirmou. Esse olhar está na base de como ele pensa a indústria farmacêutica, segmento que demanda capital intensivo em ciência. “É preciso investir muito em pesquisa clínica, porque inovação é a parte central da empresa.” Nos próximos anos, a companhia deve ter três dezenas de lançamentos, entre novos medicamentos ou novas indicações para remédios já no mercado.

Nesse sentido, no entanto, não dá para escapar de uma constatação. Inexiste empresa hoje que não coloque inovação num altar. Virou sinônimo de sobrevivência e longevidade. Ao mesmo tempo se tornou commodity. É necessário escapar da cilada, ou ao menos se destacar na multidão. Devoto vê na AbbVie diferencial para isso. “Pensamos inovação no sentido holístico”, disse. “O foco deve ser a pessoa, porque todos somos em algum momento pacientes.” Segundo ele, essa abordagem muda tudo. E aqui o Brasil entra como agente decisor para sua estratégia. A operação local passa de 1 mil colaboradores, produção própria — pelo menos um quinto é exportada a outros países da América Latina —, atuação comercial e, principalmente, pesquisa. São pelo menos duas centenas de estudos com pesquisadores brasileiros, em parcerias com hospitais e universidades.

Pipeline 

Farmacêuticas obrigatoriamente são empresas de investimento intensivo no desenvolvimento de produtos. Uma aposta certa leva anos, passa por pedidos de aprovação de agências reguladoras — Anvisa no Brasil, a americana FDA, a europeia EMA e inúmeras outras pelo mundo —, cada uma com exigências distintas. Mas o esforço pode ser altamente recompensado, trazendo receitas recorrentes por longos períodos. O Humira, medicamento usado especialmente em casos de artrite reumatoide, fez entrar no caixa da AbbVie no ano passado US$ 20,7 bilhões, ou 37% da receita total da companhia. Lançado há quase 20 anos, ele foi objeto numa batalha legal relacionada à expiração de patentes. Por isso o pipeline de novos produtos precisa ser intensamente abastecido: US$ 7 bilhões foram destinados a pesquisas no ano passado.

O valor é relevante mesmo quando se mergulha nos resultados da AbbVie. A empresa nasceu em 2013 de um spin-off da centenária Abbott. Agora, a criatura já supera o criador. Na quarta-feira (2), o valor de mercado da Abbott estava em US$ 212 bilhões, contra US$ 264 bilhões da ‘novata’. No ano passado, a receita líquida da AbbVie somou US$ 56,2 bilhões, salto de 22,7% sobre os US$ 45,8 bilhões de 2020. Na linha oposta, os custos ano a ano cresceram num nível menor (US$ 38,3 bilhões em 2021 sobre US$ 34,4 bilhões em 2020, alta de 11%), o que levou a um expressivo aumento no lucro líquido, para US$ 11,5 bilhões — 150% maior que os US$ 4,6 bilhões de 2020.

Legado

Num gigante, assim, o Brasil pode passar à margem. Virar endereço importante, mas não decisivo. Devoto discorda. E afirma que a operação local pode ser a vanguarda global. Por uma combinação de motivos. Não apenas pelo tamanho. “Existe uma comunidade médica muito forte, muitos centros de excelência, diferentes grupos populacionais com diferentes comportamentos… E uma base de dados consistente disso tudo.” Para ele, o País vive uma agenda de processos de inovação tanto no âmbito privado quando no sistema público de saúde. É fã do SUS, pela capilaridade e pelo que diz ser estratégico no campo da pesquisa. Conhece o sistema, incluindo seus gargalos, mas igualmente suas áreas de excelência. Não fica difícil entender por que o executivo vê aqui uma oportunidade enorme. “Quero deixar um legado, que é fazer de cada pessoa sua melhor versão, maximizar quem são”, disse. “E da filial brasileira fazer o que fiz da filial argentina: a melhor do mundo.”

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