Veículo: O Estado de S.Paulo
Na contramão da tendência mundial de queda, o Brasil registrou alta de 11% no número de novas infecções pelo vírus HIV entre 2005 e 2013, conforme relatório divulgado ontem pela Unaids, agência das Nações Unidas voltada para o combate à aids. Em todo o mundo, o índice de novas infecções caiu 27,6% no mesmo período e 38%, se considerado o intervalo entre os anos de 2001 e 2013.
A mesma situação foi observada quando analisados os números de mortes decorrentes da doença. Enquanto o mundo teve redução de 35% nos óbitos entre 2005 e 2013, o Brasil viu o número de vítimas crescer 7% no mesmo período. No ano passado, foram registrados 2,1 milhões de novos casos de HIV em todo o mundo - 44 mil deles ocorreram no Brasil, o equivalente a 2% dos registros.
O desempenho do País também foi inferior ao da América Latina. O número de novas infecções caiu 3% no continente no período analisado. No México, a redução chegou a 39%. No Peru, a queda foi de 26%.
Nações vizinhas também tiveram redução no número de mortes por causa da doença. No Peru, Bolívia e Colômbia,
os óbitos caíram 50%, 47% e 33%, respectivamente. De todos os novos casos registrados na América Latina, 47% estão no Brasil, onde, no fim de 2013, viviam cerca de 720 mil pessoas soropositivas.
Razões. Para especialistas e ativistas, falhas nos programas de prevenção e as realidades distintas dos países levaram a essa diferença entre os panoramas mundial e nacional.
Diretora da Unaids no Brasil, Georgiana Braga Orillart afirma que, antes de analisar as falhas nos programas governamentais, é preciso lembrar que alguns países menos desenvolvidos, sobretudo os africanos, estão registrando só agora declínio de casos similar ao que o Brasil viveu no fim dos anos 1990 e início dos anos 2000. "Quando o tratamento começou a ser ofertado no Brasil, tivemos redução significativa de casos de transmissão vertical, em que o vírus é transmitido de mãe para
0 filho. Essa redução só está acontecendo agora em alguns países da África."
Georgiana afirma, porém, que a alta de casos no Brasil também está relacionada com a discriminação e a falta de políticas de prevenção específicas voltadas para os grupos mais vulneráveis, sobretudo jovens homossexuais, principais vitimas das novas contaminações. "Faltam iniciativas voltadas para essa geração que está vivendo a chamada nova onda da epidemia. São aqueles que não vivenciaram o início da aids, não viram seus ídolos morrerem por complicações da doença, então não se cuidam, não usam preservativo, não fazem o teste", afirma.
A diretora da Unaids diz que não há programas consistentes voltados para essa população. "Eles são discriminados. Tem receio de procurar os serviços de saúde porque o preconceito está em toda parte. Não adianta apenas fazer campanhas. Tem de ser algo trabalhado desde cedo. É preciso falar sobre o assunto na escola", defende Georgiana.
Segundo o informe da Unaids, um terço de todos os novos casos de infecção por HIV registrados na America La-tina no ano passado está concentrado entre jovens com idades entre 15 e 24 anos.
Resistência conservadora. Para o ativista Rodrigo Pinheiro, presidente do Fórum de ONGs Aids do Estado de São Paulo, o governo não consegue chegar até a população mais vulnerável, que, além de gays, inclui profissionais do sexo, usuários de drogas e transgéneros. "Qualquer idéia de campanha mais o usada que surge tem a resistén-ciadas bancadas mais conservadoras do Congresso e de setores do Executivo e acaba não sendo colocada em prática", afirma.
Aids entre jovens gays eleva casos, diz governo
Jornalista: Lígia Formenti
O secretário de Vigilância do Ministério da Saúde, Jarbas Barbosa, avalia que os números apresentados ontem no relatório da Unaids – agência das Nações Unidas voltada para o combate à doença – retratam um problema enfrentado não apenas pelo Brasil, mas por países que convivem com um padrão de epidemia de aids concentrada. Estimativas publicadas no trabalho indicam que o País registrou entre 2005 e 2013 um aumento de 11% nos casos de aids, enquanto no mundo todo caíram 27,6%.
“Não estamos isolados. Estados Unidos e alguns países da Europa tiveram aumento de 8% no mesmo período, o que comprova a dificuldade, em locais onde a epidemia está concentrada, em reduzir esse patamar”, afirmou Barbosa.
O secretário argumentou que a queda mais significativa nos números de casos de aids ocorreu em países da África e da Ásia, onde até pouco tempo grande número de pessoas morria em decorrência da doença e que registravam altíssimas taxas de infecção. “Em países com essas características, a introdução de tratamento, por si só já se encarrega de puxar para baixo as estatísticas.”
No caso do Brasil e dos Estados Unidos, afirmou Barbosa, a resistência dos indicadores está associada ao aumento de casos entre jovens de homens que fazem sexo com homens. A prevalência de pessoas com HIV entre esse grupo está entre 10%, enquanto na população em geral está em 0,4%. “A epidemia no Brasil tem várias faces. Em algumas regiões, como Sudeste, os números caem, algo que não ocorre no Norte e Sul.”
Barbosa disse que os números apresentados pela Unaids são condizentes com as estatísticas do governo federal. “O organismo fez uma projeção, nós trabalhamos com casos novos diagnosticados. São dados que se complementam”, afirmou.
Para o secretário, os resultados estão longe de deixar o País em uma situação confortável. “Ainda temos muito a fazer. Mas não temos dúvida em dizer que todos os mecanismos existentes para prevenir novas transmissões estão sendo colocados em prática.”
Tratamento. Como trunfo contra a aids, o gestor federal citou o início precoce do tratamento de pessoas com HIV e a ampliação no diagnóstico. As estimativas são de que 400 mil pessoas no Brasil são portadoras do vírus e não sabem. “Neste semestre, identificamos 35 mil casos novos”, contou. Se o ritmo for mantido, calculou, até dezembro o número de diagnósticos novos pode chegar a 100 mil. “Em quatro anos, em tese, podemos chegar aos 400 mil, ofertar tratamento, o que reduz significativamente as transmissões.”
Barbosa afirmou que a oferta precoce de tratamento é feita em combinação com ações de prevenção, como distribuição de preservativos e campanhas voltadas para populações vulneráveis. Grupos ligados à prevenção de aids, no entanto, defendem ações inovadoras para atingir a população de maior risco – homens jovens que fazem sexo com homens, prostitutas e usuários de drogas.
O Brasil registrou ainda alta no número de mortes, de acordo com relatório. Para Barbosa, o aumento é esperado, porque leva em consideração o número acumulado de casos.