Autora: Altamira Simões
Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.
(Declaração Universal dos Direitos Humanos, artigo 7)
Em outubro de 1931, nasce na cidade de São Paulo a Frente Negra Brasileira, uma das primeiras organizações de luta que exigia igualdade de direitos e participação dapopulação negra na sociedade brasileira.
Na sede da organização, na Rua Liberdade, 196, funcionava o jornal “O Manelik”, porta-voz da organização, sendo substituído pelo “O Clarim d’ Alvorada”. A Frente Negra desenvolvia diversas atividades de aproximação e formação para as pessoas negras, nas áreas da política, da cultura e educação. Entre as ações de fortalecimento da população negra, a Frente oferecia oficinas de costuras, seminários, cursos de alfabetização e promovia festivais de música. A FNB tinha como objetivo melhorar as condições de vida da população negra; foi a primeira organização no país a falar do ’preconceito de cor’ e apontar o racismo como base estruturante da sociedade.
De São Paulo, a Frente Negra e suas ideias se expandiram para outros Estados. E mesmo com sua extinção, 1936, os princípios da organização, ainda hoje, orientam os movimentos que atuam na luta antirracista, em busca de justiça, de políticas afirmativas e equidade para a população negra.
Para Lélia Gonzalez, uma das fundadoras do Movimento Negro Unificado (MNU), intelectual negra, feminista, antropóloga, professora, psicanalista, ativista antirracista, algumas situações nas relações entre pessoas não negras e pessoas negras eram carregadas de racismo, tais como a figura da ‘Mãe Preta’ da ‘Ama de Leite’, mesmo que de forma sutil. Essa sutileza do racismo ganha novas formas, mas o resultado é o mesmo: a invisibilidade da população negra e a exposição às diversas formas de violação de direitos.
Para o filósofo, advogado e ministro de Direitos Humanos e Cidadania do Brasil, doutor Silvio Almeida, o racismo estrutural “é uma forma sistemática de discriminação que tem a raça como fundamento e que se manifesta por meio de práticas conscientes ou inconscientes que culminam em desvantagens ou privilégios, a depender do grupo racial ao qual pertençam”.
Nesse sentindo, a partir dos que os dados estatísticos apontam, a população negra ocupa os maiores índices em falta de acessos a elementos básicos para sua existência com dignidade. Os espaços de exclusão incluem o acesso à saúde e formas de manejo descuidado, às vezes com violência, somados à educação precária, falta de moradia, ausência de saneamento básico e vítimas de racismo religioso, quando pertencentes a religião de matriz africana.
No Brasil, circula a ideia da democracia racial, mito combatido por vário(a)s intelectuais negro(a)s. Destacamos os pensamentos de Florestan Fernandes, Roger Bastide, Guerreiro Ramos, Clovis Moura, Lélia Gonzalez, Abdias Nascimento, Kabengele Munanga, Sueli Carneiro, Conceição Evaristo, Maria Carolina de Jesus, Grada Kilomba, Heliana Hemeterio, Djamila Ribeiro, Karla Akotirene, Muana Simões, Anane Simões e Amana Simões. Entre o mito e as experiências vividas pela população negra, há inúmeras questões que cercam o imaginário social e científico sobre raça no nosso país. Precisamos de aliadas e aliados não negros para contribuir para justiça social e equânime em nossa sociedade.
A década de 1990 constitui o marco para a expansão da cultura de diversidade dentro das empresas. Com o avanço da globalização, mudanças significativas ocorreram nos campos da cultura e da comunicação dentro das organizações. Segundo dados da pesquisa ‘Diversidade Aprendiz’, 2023, promovida pela OIT (Organização Internacional do Trabalho), mais de 90% das empresas demostram interesse e preocupação com as questões relacionadas à diversidade e inclusão. O avanço das boas práticas, com a adoção da cultura para diversidade e inclusão, é um dos caminhos de combate ao racismo e reparação para a população negra.
Para o presidente executivo do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma), Nelson Mussolini, “poucas pessoas brancas, incluindo chefes de empresas, responsáveis por pessoas, conhecem a discriminação estrutural que temos no Brasil”. Para Mussolini, a convivência no Conselho Nacional de Saúde, por meio da escuta e do relacionamento com conselheiras negras, mostrou coisas que ele efetivamente não conhecia; as informações contribuíram para que ele compreendesse melhor a dimensão das barreiras e dos problemas que essa população enfrenta.
No Sindusfarma, as ações de colaboração na luta por igualdade envolvem a constituição de Comitês para Diversidade e Inclusão, no total de 5: Equidade Racial, Gênero, Pessoas com Deficiência, LGBTQIA+ e Geracional/Etarismo. O objetivo é promover debates que estimulem as empresas a implementar a cultura de diversidade e inclusão, a partir das especificidades da população e grupos, oportunizando reconhecimento, a partir da qualificação do(a) profissional, não sendo a cor da pele um motivo de impedimento de crescimento no organograma das empresas.
Dentre as propostas de Letramento Racial que o Sindusfarma oferece, por intermédio do Comitê de Raça e Equidade, acompanhado pelo gerente de Relações Sindicais Trabalhistas, Arnaldo Pedace, e coordenado por Suellen Rodrigues, diretora regional da MSD latino-americana, temos palestras ministradas por lideranças negras, ações pontuais nos meses e datas referentes à luta da população negra, reunião mensal com representações do Recursos Humanos e coordenadores de Grupos de Diversidade das empresas afiliadas.
Para Mussolini, um passo importante do Sindusfarma para a promoção de espaços sociais e corporativos mais inclusivos foi a elaboração da “Diretriz de Equidade Racial”, lançada pela entidade em março de 2023, através do Comitê de Raça e Equidade. Essas diretrizes apontam caminhos para mudanças estruturais nas indústrias, “mostrando a importância do desenvolvimento de uma saúde totalmente inclusiva”, assim como reafirmam o seu compromisso pessoal e do Sindusfarma na luta contra o racismo. Para o presidente executivo do Sindusfarma, “quem faz saúde em caixinhas precisa ter esse olhar de integração e saúde para todos, com a mesma qualidade. Sabemos que o SUS tem procurado fazer isso, mas ainda chegam relatos de que a atenção que se dá às mulheres negras no ambulatório do SUS é muito menor do que a que se dá a uma mulher branca, e precisamos acabar com isso”.
“Nosso papel como pessoas influentes, que participam do debate público e da formulação de políticas públicas no país é o de acabar com isso”. Com essa reflexão, Nelson Mussolini mostra o que o movimento de luta antirracista diz há décadas: “que o enfrentamento e o fim do racismo são de responsabilidade de toda a sociedade, e não somente de quem é vítima”.
Enfim, que possamos criar, apoiar, fortalecer ambientes e ideias solidárias e de equidade. Que sejamos incomodados contra todas as formas de negação e violação de direitos humanos, nos posicionando a favor de uma sociedade sem racismo e preconceitos. No mês de destaque da Saúde da População Negra, que sejamos promotores de saúde, nos inspirando em boas práticas e bons exemplos individuais.
(*) Altamira Simões é consultora do Grupo de Diversidade do Sindusfarma.